sexta-feira, 24 de setembro de 2010

A Verdade nos Libertará

Poema: Poética
Autor: Manuel Bandeira
Ano: Entre 1924 e 1930


“Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente
[protocolo e manifestações de apreço ao sr. Diretor

Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o
[cunho vernáculo de um vocábulo

Abaixo os puristas

Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis

Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si mesmo.

De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante
[exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes maneiras de agradar às mulheres, etc.

Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbedos
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare

- Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.”


Poética critica a ausência da verdade,  da paixão, o falso pudor criativo, limitado à opressão formal, em detrimento da essência, a criação amputada de significação, enferma, medíocre...

O poema nos denuncia o falso idealismo, o lirismo oco, raso, a pseudo-arte, resultado de processos criativos subvertidos a “receitinhas burocráticas”, que simplesmente nos acorrentam aos interesses institucionais e mercadológicos.

Cada verso nos faz clamar violentamente pela verdade. A verdade libertária, consciente, própria dos impetuosos, que perseguem o lirismo vivo e entusiasmado, poético. E o que é Arte, senão a manifestação redentora da verdade?

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