quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Sob Sombra e Luz

Exposição: Gaspar Gasparian – Um Fotógrafo
Local: Pinacoteca do Estado de São Paulo
Período: De 18/09/2010 a 14/11/2010


A exposição reúne cerca de cento e cinquenta fotografias em preto e branco, realizadas entre 1940 e 1950, além de registros pessoais e familiares.

As séries são bastante variadas, incluem naturezas-mortas, paisagens, experimentações com reflexos e vidros e estudos de formas geométricas. O alto contraste das fotografias é ainda mais valorizado pelo fundo vermelho sobre o qual estão dispostas e os jogos de sombra e luz são de uma complexidade impressionante, principalmente quando consideramos os recursos disponíveis na época.

Gaspar Gasparian não é um fotógrafo, é o fotógrafo que através de sua lente, nos conduz em um passeio à poética das mais belas imagens e nos revela detalhes possíveis apenas a atentos olhares apaixonados.

Copas da Violência

Exposição: Antonio Dias – Anywhere Is My Land
Local: Pinacoteca do Estado de São Paulo
Período: De 11/09/2010 a 07/11/2010


A exposição reúne cerca de cinquenta obras produzidas entre as décadas de 60 e 70, incluindo pinturas, desenhos, instalações e filmes.

Com uma poética violenta e contemporânea, o artista dialoga conceitos de forte carga psicológica e política como a brutalidade da guerra e o militarismo, com formas leves e lúdicas que muito lembram cartoons.

Corpos mutilados, vísceras escancaradas e crânios penetrados por pênis, misturam-se a uniformes militares, em cenários compostos por corações e cartas de baralho.

As obras nos chocam, mas também nos despertam para reflexões mais profundas sobre o lugar que ocupamos no mundo e sobre o mundo que ocupamos. Somos oprimidos ou opressores, violentados ou violentos, combatentes ou já vencidos?

Arthur Ferreira: A Tecnologia na Arte


O Artista:
Arthur Ferreira é desenhista e ilustrador, com trabalhos desenvolvidos para a Editora Moderna e diversas universidades, além de animador, criando projetos para o Animatv, Making Of Studius e outros. 


"O uso da tecnologia nas novas obras de arte marca um novo espaço de interatividade do artista com a obra."

*

> Como você lida com a integridade intelectual e criativa da sua arte, uma vez que, geralmente, suas obras são feitas sob encomenda?
Acho que lido tanto quanto os pintores antigos que vendiam suas obras para o clero, a monarquia ou a burguesia local. Deveriam ser desconsiderados os quadros ou os painéis de Michelangelo? Os retratos de Da Vinci? Eu vejo que, ao contrário disso, suas artes ficaram mais conhecidas, ganharam um espaço de admiração, onde tanto estudiosos das artes plásticas, quanto não, podiam verificar a profundidade de seus traços, suas misturas de cores e como conseguiam dar forma ao nada, bailando pincéis ao longo de quadros apoiados em cavaletes. Será que o quadro (produto) vendido não teria um valor especial, único, (seja pelo próprio sentimento do pintor, como da família a adquiri-lo) que agregaria a ele um status mais elevado, para segundo Benjamin [o filósofo Walter Benjamim], ser contemplado como arte?

> Geralmente, seus trabalhos estão sujeitos à reprodução industrial. Nesse contexto, como você compreende a materialidade de sua obra?
Eu não concebo minha possível arte de maneira material pura e simples. O resultado final é material, mas a arte, a mágica contida está dentro de um universo além da compreensão física. Simplesmente o seu valor torna-se sentimental e/ou conceitual, o que me levou a aceitar tal incumbência e quais forem as consequências de sua realização.
 
> Você acha que em função disso, o discurso de sua obra ou sua apropriação artística podem ser minimizados?
Acredito que como na história artística mundial isso sempre ficará em constante mudança. Ontem foi considerado arte, hoje não tem valor artístico criativo nenhum, amanhã mexerá com o público. A obra sempre estará sujeita a julgamentos diversos, não cabe a mim, enquanto artista, temer por isso.

> As intervenções tecnológicas nas artes tornaram-se uma prática comum, você acredita que isso pode desumanizar a figura do artista?
Ao contrário. O uso da tecnologia nas novas obras de arte marca um novo espaço de interatividade do artista com a obra, dado que o fazer artístico não se limita em suas ferramentas de trabalho. O valor humanístico da arte vem primeiramente de dentro do artista, seus conceitos, seus desamores, tudo que possa dar margem à criação, à fruição de uma nova idéia. O resultado final, seja em um quadro ou em um monitor, não deve minimizar o trabalho conceitual.

> E para finalizarmos, quais são suas considerações?
Com o tempo será possível compreender que a Arte possui diversos caminhos de execução. Que não tem limites, portanto não é regida por nenhum tipo de regra específica. Todos os meios são passíveis da criação da arte, o que diferencia (o valor no conceito industrial) é para onde esta arte é direcionada. Mas em hipótese alguma, sua concepção pode ser desvinculada da criatividade de seu fruidor. A arte sempre será para todos dispostos a mergulhar nela, e estará sempre conectada com a natureza criativa do ser humano.

Mais Arthur Ferreira em: oartanima.blogspot.com

O Amado de Deus

Filme: Amadeus
Roteiro / Direção: Peter Shaffer
Ano: 1985


A produção é uma biografia ficcional do compositor Wolfgang Amadeus Mozart, pela ótica de seu rival Antonio Salieri. A história passa-se em Viena, na corte do Imperador Joseph II da Áustria, no final do século XVIII.

Muitas obras de destaque do compositor são mencionadas e sua indiscutível genialidade é retratada de forma encantadora, principalmente nas cenas em que são mostrados seus processos de criação.

O filme define a arte como modo tão intenso de relação com o mundo, que artista e obra tornam-se um, por isso, quando Mozart preserva a pureza de sua música, preserva a si mesmo. Salieri, que jamais alcança tamanha profundidade, inveja-o porquê admira-o, e é constantemente torturado por esse conflito de sensações.

Amadeus nos mostra quão grande é nosso poder de sublimação, mesmo na qualidade de criaturinhas tão frágeis, mas acima de tudo, nos inspira na busca de uma arte íntegra e verdadeira, que além de materializar nossos sonhos, transcenda nosso universo particular, e nos torne, de fato, Humanos.

Monólogo

O que significa partir?
Separar, dividir?
É despedir quando tudo pedir pra ficar.
E ficar... só ficar.
E só, é ir.
Subjugada aos caprichos da circunstância
Perdura a ausência.
Então, a ânsia conforta-se na paciência
Que todos os dias insiste que partir não aparta,
Não mata, só dói e espera
Hoje, amanhã, depois, depois, depois...
Mas logo um serão dois
Que sempre foram parte de um
E outra vez serão dois, até que não precisem mais repartir
Mas agora, agora já é hora de ir...
E o que significa partir!

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Além do Bem e do Mal

Filme: O Fantasma da Ópera
Roteiro / Direção: Andrew Lloyd Webber e Joel Schumacher
Ano: 2004


O Fantasma da Ópera é a adaptação cinematográfica da peça musical de Andrew Lloyd Webber, baseada no romance de Gaston Leroux. Ambientado em um teatro de Paris do final do século XIX, conta a história de uma jovem soprano, Christine, com o coração dividido entre um suposto fantasma, Erick, e um visconde, Raoul.

Ambos são os extremos da mesma realidade: Christine. Seus temas musicais interligam-se, alternando entre a suavidade – Raoul – e a rigidez – Erick. Enquanto o fantasma é treva e estabelece com sua musa uma união emocional profunda, o visconde é luz, um despertar romântico adolescente. Para o primeiro, ela é a máscara pela qual ele pretende se relacionar com o mundo que o baniu, uma forma de libertá-lo da condição de monstro. Para o último é a realização de um sonho de felicidade.

Respiramos no compasso de Christine nesta ária grotesca e sublime, em que ao mesmo tempo que tememos ser aprisionados na escuridão, tememos renunciar ao seu fascínio e sermos privados de sua inspiração. E nessa tensão entre opostos, não há bem ou mal, há paixão, intensidade, exaltação e duas melodias  igualmente necessárias.

Concepção

Poema: Bom dia, poetas velhos
Autor: Paulo Leminski
Ano: 1983


“Bom dia, poetas velhos.
Me deixem na boca
o gosto de versos
mais fortes que não farei.

Dia vai vir que os saiba
tão bem que vos cite
como quem tê-los
um tanto feito também,
acredite.”


Consistente e intenso, o poema nos imprime e reimprime a experiência da fruição estética tanto ao tratá-la, quanto ao provocá-la.

Versa sobre a experimentação artística de obra aberta, que até mesmo sendo fruto de poetas velhos, é transcendental, a ponto de quando manifestada, se reestabelecer, se reinventar.

Aqui, fruir é tomar posse, é desfrutar do prazer de impregnar-se da arte que nos concede o poder criador de sempre conceber o novo.

Liberdade, Verdade, Beleza e Amor

Filme: Moulin Rouge! Amor em Vermelho
Roteiro / Direção: Baz Luhrman e Craig Pearce
Ano: 2001


Moulin Rouge! Amor em Vermelho é um musical ambientado no bairro boêmio de Montmatre, Paris, no ano de 1899. O enredo, inspirado em três óperas ("La Bohème" de Puccini; "La Traviata" de Giuseppe Verdi; e "Orphée Aux Enfers" de Jacques Offenbach), conta a história e os ideais revolucionários de um grupo de boêmios frequentadores do cabaré homônimo, através dos registros literários da paixão entre a cortesã Satine e o escritor Christian.

Diferente de outras produções do gênero, grande parte de sua trilha sonora é formada por medleys de canções famosas, o que confere alto grau de sofisticação aos arranjos que adaptam composições dos mais variados tons e gêneros.

O filme é uma experiência sinestésica, somos absorvidos. Os números dramático-musicais do cabaré são ousadia, cores e ritmo frenético de imagens harmonizado com canções, em uma atmosfera sensual e inebriante. As demais cenas são reflexos do universo de Christian e Satine, que quando se unem, concretizam a essência da boêmia: o Moulin Rouge personifica a liberdade, ele a verdade, ela a beleza, e ambos o amor, que ridiculariza qualquer tirania, inclusive a morte.

Enfim, com Moulin Rouge! Amor em Vermelho, "a coisa mais importante que se pode aprender, é amar, e em troca amado ser!"

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

O Embuste dos Trecos

Peça Teatral: Trecos e Truques
Realização: Cia. das Artes
Roteiro: Wilma de Souza
Direção: Jair Aguiar
Local: Teatro Commune
Apresentação: 15/08/2010


A peça infantil trata de uma pulga de estimação que desapareceu e convida o público a participar de sua busca.

Não era possível identificar de que as personagens estavam caracterizadas, com exceção de algumas crianças e da pulga. O texto era confuso e com pretensões musicais dissonantes tanto da realidade da peça, quanto da realidade infantil. As cenas, sequências de cantigas de roda e folclóricas com intervenções das personagens procurando a pulga, minguavam o desempenho dos atores, e eram como fotografias deslocadas de seus universos.

Enfim, a Companhia que me perdoe, mais quaisquer aspirações artísticas eram truques em trecos.

A Crítica da Desordem

Peça Teatral: Horden & Pogre$$o
Realização: ETA - Estúdio de Treinamento Artístico
Roteiro: Criação Coletiva
Direção: Rodney D’Annibale
Local: Teatro Brigadeiro
Apresentação: 13/09/2010


A apresentação contou com uma série de esquetes de cunho político-social e foi a conclusão do primeiro módulo de curso de teatro dos alunos do ETA – Estúdio de Treinamento Artístico.

As caracterizações das personagens eram adequadas e as atuações, embora singelas, estavam dentro da realidade de alunos lidando com diversas emoções simultaneamente. Os temas abordados eram bastante intensos e de caráter psicológico profundo, mas tratados com a objetividade simplista contemporânea, que reprime a alma e não permite que sejamos penetrados emocionalmente.

Um senão foi a falta de contextura entre as esquetes, que comprometeu a riqueza das idéias discutidas e a resolução dos conflitos propostos, contudo, o espetáculo não deixou de ser uma reflexão sobre as pílulas de felicidade comercializadas em nossa contraditória sociedade capitalista.

domingo, 26 de setembro de 2010

Arte? Sabe-se lá...

Poema: Sem solução
Autor: Humberto Ak’abal
Ano: -


Como não pude aprender algo
para chegar a ser alguém,
eu me dedico a bancar o escritor
para matar tempo.

Distração de loucos,
ofício de famintos,
disseram-me uma vez.

Outros correm,
invertem o dia
fazendo dinheiro.

Eu faço poesia.

Para que serve poesia?

Sabe-se lá
.”


Sucinto e intenso, o poema expõe nossas misérias e leva-nos a refletir sobre o lugar que a arte ocupa em nossa vida. Mas por que ser "alguém" aos moldes dos alheios à verdade, se "ninguém" que é perfeito em transcender a realidade concreta e vislumbrar o ideal? Sabe-se lá...

Ao contrário do que dizem os céticos, sem solução é a vida sem arte, estática, carente de ressignificação. A arte é útil, não utilitária, e serve, à utilidade da Beleza.

Aprendendo Entre os Sonhos da Realidade

Poema: Aprendiz
Autor: Humberto Ak’abal
Ano: -


“Nesses ímpetos
me surge a vontade de escrever;
não porque saiba, senão
porque fazendo-o e desfazendo-o
é como aprendo esse ofício e,
por fim,
algo vai ficando em mim.

As encostas,
os morros,
os precipícios,
os velhos povoados
têm segredos encantadores,
daí o meu desejo de levá-los a passear
em folhas de papel.

Esse belo ofício tenho de tratá-lo
como supertarefa, ainda que me doa,
porque não conto com o tempo de que
gostaria.
(Devo trabalhar em outra coisa para sobreviver.)

Meus versos têm a umidade da chuva,
ou as lágrimas do sereno, e não podem
ser senão assim, porque foram trazidos da montanha.”


Em um exercício de liberdade e experimentação criativa, o poema propõe um passeio por palavras que nos chamam de volta à comunhão com o todo e com natureza.

E em um delicioso descompromisso com a forma, reencontramos a experiência viva da arte que temos impressa na alma, mas em ressonância com as exigências da vida cotidiana.

Dialogando êxtase e concretude, deslumbre e experiência, fascina, ao mesmo tempo em que conscientiza, e lembra quanto nos falta alcançar e compreender, afinal somos todos aprendizes.

sábado, 25 de setembro de 2010

Instantes

Sentir cada momento único... eterno,
Intenso, profundo, amor, amor!
Viver eternamente o único,
Intenso, profundo, amor, amor!
O único...
O toque profundo da alma, profundo amor,
Sensação eterna, que transcende o tempo,
Sublime divindade, efêmera eternização.
Momento em que habito o inabitável
Que transcendo a realidade da compreensão
A conseqüência da admiração,
A casualidade do encontro
Verdade livre da representação da verdade
O espaço e o tempo do sentimento,
Metáfora de elevação é céu...
Pureza, cristal luminoso
A incompreensão da sensação, a plena realização
A agução da percepção
O sentimento já sentido de forma ampla, intensificada
A agução da percepção
O crescente desejo de sentir, experimentar profundamente
O sentimento já sentido de forma ampla, intensificada
Impregnar-se involuntariamente de sensações, de amor
Vibrar, indizível e indivisível, pleno
Emocionar-se... Divinização
Metáfora de elevação é céu, é seu!

O Encanto da Escuridão

Poema: Pássaro Sem Asas
Autor: Humberto Ak’abal
Ano: -


“Noites escuras,
fundas, fundas,
profundas.

A escuridão tem o encantamento
de aproximar ruídos longínquos
e aumentar os pequenos.

Choveu,
me encharco.

Minha memória
recua, recua
até encontrar minha alma de menino.
(A escuridão
se presta para isso.)

Sou um pássaro sem asas
e não caio
porque me seguro no ar.”


Singelo e intenso, o poema nos conduz, como em um encantamento onírico, a um mergulho em nossos próprios perfumes, em nossas mais profundas lembranças.

Suavemente, somos purificados e aconchegados pela escuridão, conscientes que sem ela, não há luz, não há reflexos, nem reflexões capazes de libertar as amarras que nos são impostas.

Somos transfigurados, e finalmente despertos, sustentamos, mesmo sem asas, nossos vôos rumo à liberdade.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Contemporânea mente

Erro? Acerto.
Acerto das contas, que afinal de contas julga-se necessário
Desnecessita, conforma a forma, deforma o meio.

Simples? Banalizado.
Conceito esvaziado de significado
Mais vale a mais-valia, dissocia, degrada, comercializa.

Fruição? Consumo.
Tudo é arte... A Glória é arte
A arte de ofertar a quem procura e a quem desespera, ridiculariza.

Transformação? Estagnada.
A arte agonizante, corrompida
A arte dissociada da vida, condenada à morte.

Inspiração? Indústria.
A massificação maçante, contagiosa
A manifestação sufocada, limítrofe, prostituída.

Relação? Distanciamento.
A essência em tétrico detrimento
A superficialidade pútrida, leviana.

Verdade? Impingida.
O fim do princípio, o fim principiado
A ruína, a morte.

Experimentação? Atrofia.
A servidão ávida por poder poder
Experimentando os complexos amplexos da submissão.

Obra? Obrada.
O esvaziamento sem sentido, sem sentimento
A intensidade amortecida, frívola, rasa.

Identificação? Hipocrisia.
Alienação avaliada, pervertida e perversa
A arte é supérflua, é luxo, é lixo.

Solução? Ousadia.
Desordenar a desordem das ordens,
Criar libidinosamente, profusamente, incessantemente.

Opressão? Combalida.
Quando superada a angústia do desencanto
Quando destruída a destruição onírica.

Desengano? Luta.
Do benefício despido, a desmitificação do poder,
Metamorfoseado em poder transformar.

Anonimato? Harmonia.
Meu sucesso é viver pela ação lasciva da invenção
Pela construção da desconstrução uma e outra vez.

Desfecho? Arte.
Divina humana arte, que salva, transpõe, transcende
Que é parte e todo, nem nada, nem tudo, mas, sobretudo, é arte.

A Verdade nos Libertará

Poema: Poética
Autor: Manuel Bandeira
Ano: Entre 1924 e 1930


“Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente
[protocolo e manifestações de apreço ao sr. Diretor

Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o
[cunho vernáculo de um vocábulo

Abaixo os puristas

Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis

Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si mesmo.

De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante
[exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes maneiras de agradar às mulheres, etc.

Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbedos
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare

- Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.”


Poética critica a ausência da verdade,  da paixão, o falso pudor criativo, limitado à opressão formal, em detrimento da essência, a criação amputada de significação, enferma, medíocre...

O poema nos denuncia o falso idealismo, o lirismo oco, raso, a pseudo-arte, resultado de processos criativos subvertidos a “receitinhas burocráticas”, que simplesmente nos acorrentam aos interesses institucionais e mercadológicos.

Cada verso nos faz clamar violentamente pela verdade. A verdade libertária, consciente, própria dos impetuosos, que perseguem o lirismo vivo e entusiasmado, poético. E o que é Arte, senão a manifestação redentora da verdade?

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Do Desencanto ao Alumbramento

Poema: Alumbramento
Autor: Manuel Bandeira
Ano: 1913


“Eu vi os céus! Eu vi os céus!
Oh, essa angélica brancura
Sem tristes pejos e sem véus!

Nem uma nuvem de amargura
Vem a alma desassossegar.
E sinto-a bela... e sinto-a pura...

Eu vi nevar! Eu vi nevar!
Oh, cristalizações da bruma
A amortalhar, a cintilar!

Eu vi o mar! Lírios de espuma
Vinham desabrochar à flor
Da água que o vento desapruma...

Eu vi a estrela do pastor...
Vi a licorne alvinitente!
Vi... vi o rastro do Senhor!...

E vi a Via-Láctea ardente...
Vi comunhões... capelas... véus...
Súbito... alucinadamente...

Vi carros triunfais... troféus...
Pérolas grandes como a lua...
Eu vi os céus! Eu vi os céus!

- Eu vi-a nua... toda nua!”


Subjugadas as aflições do Desencanto, é hora de ascender aos céus! Afinal, como reconheceríamos a beleza se não trilhássemos os obscuros caminhos da desilusão? E quanto mais valorosa é nossa jornada quando vencemos o medo e a dúvida...

A rígida estrutura formal do poema é um harmônico contraponto incapaz de encerrar a livre fluência de suas palavras, cada verso embriaga-nos, eleva-nos, revela-nos a vida toda nua.

E quando, de fato, enxergamos a vida, compreendemos que a sua beleza está na finitude e na possibilidade de a cada dia, renovarmos a esperança de viver o êxtase do alumbramento.

sábado, 11 de setembro de 2010

O Oposto da Guerra é a Criação

Filme: Rent – Os Boêmios
Roteiro / Direção: Jonathan Larson e Chris Columbus
Ano: 2005

Rent é um musical ambientado em East Village, Nova Iorque, no ano de 1989, exatamente cem anos após a ópera "La Bohème" de Puccini, que lhe serve de inspiração. Nessa versão, os boêmios são intelectuais e artistas marginais que enfrentam o pesadelo da AIDS, a dependência química e o preconceito sexual.

Com uma poética apaixonante e uma direção musical impecável, as personagens cantam seus sonhos e enfrentam seus conflitos em uma atmosfera intensa, urgente, própria daqueles que vivem cada dia como se fosse o último. A Arte é sua arma contra o sistema, a Inspiração a redenção de suas mazelas e a Criação o único meio pelo qual podem eternizar-se.

O filme derruba nossas reservas, nos desnuda, rasga nossas vísceras. Faz-nos compreender que viver é mais que existir, que a única morte está na apatia, em nos deixarmos corromper e que não podemos alcançar a paz sem materializar nossas aspirações. Enfim, criando nos opomos à guerra, e rendendo-nos ao amor, vencemos todo e qualquer medo.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

O Encanto do Desencanto

Poema: Desencanto
Autor: Manuel Bandeira
Ano: 1912


“Eu faço versos como quem chora
De desalento... de desencanto...
Fecha o meu livro se por agora
Não tens motivo algum de pranto.

Meu verso é sangue. Volúpia ardente...
Tristeza esparsa... remorso vão...
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.

E nestes versos de angústia rouca
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.

- Eu faço versos como quem morre.”


Pode soar um tanto trágico iniciar esta experiência com uma obra tão melancólica, mas também não há poesia na tragédia? Na paixão não há pesar? Não são os momentos de angústia capazes de sorver de nossas almas as mais intensas sensações?

Em uma dicotomia de dor e volúpia são tecidos, de forma comovente, esses eloquentes versos que descrevem a criação poética como o ato derradeiro de lutar pela vida ao passo que nos sentimos esvaziados dela.

A essência pungente transcende o aspecto da forma, fica só a significação, a ânsia de nos servirmos plenamente das palavras, como se no ato de escrever como quem morre, estivesse o canto do encanto que nos faz viver para sempre.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Post inaugural: Hora de florescer

Minhas mais longínquas lembranças remetem-me a uma criança desajeitada, magrela e falastrona, sempre tentando se esconder, cheia de "por quês" constrangedores e com uma visão de mundo bastante dramática. Essencialmente, pouca coisa mudou, talvez, só a franqueza tenha se tornado um pouco mais ácida e as relações um pouco mais estreitas. Bem, alguém de relações estreitas precisa relacionar-se amplamente com alguém ou com alguma coisa, então, todas as minhas escolhas, mesmo as que pareciam percorrer pelos mais exatos e céticos caminhos, levaram-me a ela, à minha arte, e digo minha porque a experiência era individual, não imaginava que pudesse ser diferente. Mas creio que tudo começa mais ou menos assim, somos um antes de nos tornarmos mais, e tantos mais mostraram-me tantas coisas...

Acredito que todas as experiências de nossas vidas contribuem para a constituição do que somos e do que podemos nos tornar, e paradoxalmente estou aqui, partilhando o que tenho de mais profundo, meu universo reflexo. Mas ainda sou uma criança desajeitada, magrela e falastrona que tenta se esconder, uma borboletinha, que para florescer, vê-se obrigada a rasgar seu casulo e voar.